Enquanto ganham espaço nas redes sociais e em casas brasileiras, os bebês Reborns provocam debates intensos sobre saúde mental, luto, arte e até criminalidade. Especialistas, autoridades e colecionadores se posicionam diante de uma controvérsia cada vez mais visível.
Elas têm o tamanho e o peso de um bebê recém-nascido. Os traços delicados, o tom de pele em camadas, o cheiro suave e, em alguns casos, até respiração simulada e batimentos cardíacos. Parecem bebês de verdade — mas são bonecas.
Chamadas de Reborns, essas bonecas hiper-realistas vêm ganhando cada vez mais espaço no Brasil. Vendidas por valores que variam entre R$ 500 e R$ 10 mil, elas fazem parte de um mercado em expansão — e que também tem gerado polêmicas.
A reportagem investigou o crescimento desse fenômeno, ouviu especialistas, autoridades e pessoas que vivem com os bonecos no dia a dia. As opiniões se dividem entre arte, terapia e preocupação com os limites da realidade.

A explosão nas redes sociais
No TikTok, vídeos com a hashtag #Reborn ultrapassam 2 bilhões de visualizações. São rotinas completas com os bonecos: trocas de roupa, passeios no shopping, consultas médicas simuladas e relatos emocionados de quem trata os Reborns como filhos.
A youtuber [nome fictício], com mais de 300 mil inscritos, dedica todo o canal aos seus três “filhos” Reborns. “Eles me ajudam a lidar com minha ansiedade. Já fui muito julgada, mas isso não me abala. É a minha forma de expressão”, afirma.
O fenômeno também alcança crianças, mas é entre adultos — especialmente mulheres — que o impacto psicológico e emocional é mais discutido.
Terapia ou fuga da realidade?
Segundo a psicóloga clínica Dra. Mariana Lopes, mestre em Saúde Mental pela USP, o uso dos Reborns pode ter função terapêutica, mas precisa ser acompanhado.
“Há casos de mães enlutadas que encontram conforto temporário nos bonecos. Isso pode fazer parte do processo de luto, desde que não se torne permanente. O problema é quando o Reborn passa a substituir relações reais e se torna um mundo paralelo.”
A médica alerta ainda para os perigos da glamorização do fenômeno nas redes. “É importante que os seguidores dessas influenciadoras compreendam que nem tudo ali é saudável. Muitas pessoas vulneráveis se espelham e perpetuam a fuga da realidade.”
O avanço do fenômeno chamou a atenção de autoridades públicas. Recentemente, vídeos de pessoas tentando registrar Reborns em cartórios se tornaram virais. Em São Paulo e em Minas Gerais, foram identificadas ao menos sete tentativas reais de emissão de certidão de nascimento para bonecos.
O Tribunal de Justiça de São Paulo emitiu nota dizendo que “os registros civis são atos jurídicos exclusivos de pessoas naturais e não se aplicam a objetos”.
Já a Polícia Civil do Rio de Janeiro abriu investigação contra uma mulher que simulou um parto e divulgou nas redes como se fosse real, usando um Reborn. O delegado responsável, Marcos Faria, afirma:
“Ela monetizou a audiência a partir de uma simulação enganosa. Isso pode configurar falsidade ideológica ou até estelionato, dependendo do caso. Estamos acompanhando de perto.”
Do trauma à arte: por que elas fazem isso?
A reportagem conversou com a auxiliar de enfermagem Sandra Oliveira, de 41 anos, moradora de Campinas (SP). Ela perdeu a filha aos dois meses de vida. Um ano depois, encomendou um Reborn idêntico.
“Eu sei que não é a minha filha. Mas quando pego no colo, lembro dela com carinho. É a única forma que encontrei de seguir em frente”, relata.
Para ela, o preconceito parte de quem não conhece sua dor. “As pessoas falam de ‘loucura’, mas nunca perderam um filho.”

O lado dos artistas: “não é brinquedo”
O processo de criação de um Reborn pode levar mais de 40 horas. Cada detalhe é pintado à mão, fios de cabelo são implantados um a um, e o corpo recebe enchimentos específicos para simular peso realista.
A artista plástica Renata Albuquerque, que trabalha com Reborns há 8 anos, afirma que o trabalho exige técnica e empatia. “Já fiz bonecos para mães em luto, para terapeutas usarem em clínicas e para colecionadoras. Mas também me preocupo com quem ultrapassa o limite.”
Ela defende uma regulamentação do mercado: “Tem gente prometendo que Reborns ‘curam depressão’ ou vendendo como se fossem milagrosos. Isso é perigoso e antiético.”
Existe regulamentação?
Atualmente, o Brasil não possui legislação específica sobre a comercialização de Reborns. Como são considerados objetos de arte ou brinquedos, não há exigência de laudos psicológicos, nem fiscalização sobre a destinação.
“A linha tênue entre liberdade individual e saúde pública é sempre delicada. Mas quando o uso do Reborn interfere em serviços do Estado, como cartórios, ou expõe terceiros a situações constrangedoras ou enganosas, é necessário estabelecer limites jurídicos.”
Enquanto o fenômeno avança, cresce também o debate sobre até que ponto um boneco pode ocupar o lugar de uma vida — e sobre quais cuidados, éticos e legais, a sociedade precisa tomar.
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